sexta-feira, setembro 07, 2007

7 de Setembro de 1974 - Lourenço Marques



Faz hoje 33 anos que começou aquilo que foi a maior revolta popular contra o regime instaurado no 25 do 4.

Começou bem, com apoios de todos os lados - da extrema direita até a antigos dirigentes do PCP e da Frelimo.

Acabou mal por diversas razões, mas a principal das quais foi a falta de uma chefia unificada e capaz de tomar "as" decisões. Fez lembrar - quase a papel químico - a revolta das barricadas de Argel de Pierre Lagaillarde (Janeiro/Fevereiro de 1960).

No entanto nunca teria tido a dimensão que teve se antes não tivesse havido em Moçambique um "organizador colectivo" (no sentido das palavras de Lenine) que foi o semanário "Unidade".

Comecemos, pois, esta série de postais sobre o 7 de Setembro pela história do tal Jornal.

Estávamos em Fevereiro/Março de 1973. Marcelo continuava no poder a destruir toda uma história de séculos. Costa Gomes acabara de inviabilizar o comando único Angola - Moçambique (proposto por Kaúlza) e que tão bons resultados operacionais poderia ter tido. O organização do Congresso dos Combatentes estava no seu auge. Os militares conspiravam (cada vez mais às claras). À traição da Guiné estava a juntar-se a traição de Moçambique. Era visível (mesmo para os menos informados...).

Por outro lado - e como factor positivo - estavam concentrados em Moçambique um grande número de nacionalistas, alguns dos quais de elevadíssima qualidade. Também havia outros com larga experiência de luta militante. Luís Fernandes (jovem Capitão Para quedista, graduado no posto por feitos em combate) tinha atrás dele uma força militar nada despiciente. Também outros militares de maior patente nos demonstravam a sua simpatia, e também com comandos militares importantes. Havia gente, havia vontade, havia garra. E havia, acima de tudo, um Homem - Abel Tavares de Almeida. Jornalista e Monárquico Tradicionalista, tinha uma disponibilidade total e uma energia incomum.

Grande Amigo de Rodrigo Emílio (com quem assiduamente conviveu durante o tempo em que RE fez a sua comissão de serviço na Região Militar de Moçambique), e com quem muito se carteou, o Abel tinha não só o conhecimento profundo da "arte" jornalística e de direcção de um periódico, mas também o forte apoio do seu Mestre - Gonçalo Mesquitella (pai).

Analisada a situação reuniu-se um grande grupo de camaradas, para decidir o que fazer e como fazer.

Todos fomos de opinião que era necessário criar um periódico que pudesse difundir ideias e congregar "gente". Pensou-se de imediato num Mensal. Abel opôs-se dado o pouco tempo de que dispúnhamos. Era necessário um semanário. E tanto nos convenceu que acabámos por aceitar. Mas fazer um semanário (entre amadores) não é tarefa nada fácil. Congregámos, mesmo assim, cerca de uma vintena de pessoas dispostas a escrever periodicamente.

A escolha do Director e Editor não foi fácil. Na teoria do Abel teria de ser eu o Director. No entanto a prudência impunha outro nome. E esse nome foi o de Arnaldo Soares de Albergaria (da minha geração, também). Lá fiquei como Editor (com o meu primeiro nome e último apelido, tendo ao meio a inicial do apelido da minha mãe).

E começou a aventura. No primeiro número, surgido em Maio de 73, lá colaboraram uns 15 a 20 pessoas. Nada mal. O mesmo no número 2, 3, 4. A partir desse número os afazeres de todos começaram a pesar. A certa altura vimo-nos na contingência de sermos 3 ou 4 a escrever semanalmente 12 páginas de um jornal. E acreditem que não é fácil. Mas o Abel e o Augusto Vinhal (transmontano da velha guarda, com um raro domínio da língua portuguesa e uma capacidade de argumentação extraordinária) e eu próprio lá conseguimos continuar o projecto. (até o Rodrigo Emílio foi "obrigado" a colaborar no "Unidade").

Logo que o jornal saiu começou a má língua local a tentar perceber quem eram os malucos que assim avançavam. A partir do número do 10 de Junho de 1973 tudo se alterou. As vendas aumentaram exponencialmente. Vendíamos (a 2 escudos e cinquenta) cerca de 10/12 mil jornais semanalmente só em Lourenço Marques.

Muita gente se aproximou de nós. E começou, por volta de Julho/Agosto de 73, a grande organização das nossas gentes com a vinda de alguns conhecidos, mas muitos e muitos desconhecidos.

Entretanto a traição de muita gente continuava, e, cada vez mais às claras. Jorge Jardim (um dos dois grandes portugueses que Jaime Nogueira Pinto conheceu - sic)começava(?, ou continuava...) a sua aproximação às teses da Frelimo, pensando contar com o apoio de Kaunda e Banda, respectivamente na Zâmbia e no Malawi. Em meados de Setembro Jardim chega a exibir a algumas pessoas (entre as quais eu) um trapo que definiu como a futura bandeira de Moçambique. É claro que nesse dia tirei as minhas conclusões definitivas e mudei-me, com armas (em sentido figurativo, é claro) e bagagens, para Lisboa. Outro camarada, que teve um fim bem trágico, de seu nome Carlos Veríssimo Veiga, também teve os mesmos arrepios que eu. Mas lá continuou. E foi graças a ele que se pode ter conhecimento total das acções de Jorge Jardim nos dias do 7 de Setembro. (voltarei ao assunto.

Regressado à Metrópole continuei a acompanhar a organização surgida do Unidade. e Foi assim até ao 7 de Setembro.

NOTA FINAL: Abel Tavares de Almeida regressou depois a Lisboa - foi mais um "retornado". Continuou aqui a sua luta. Em finais de Maio de 1975 lá foi preso pelos copcães (aí eles acertaram...). Depois continuou a sua carreira jornalística na Renascença (onde foi colega do Rodrigo). Morreu vítima de acidente de viação. Contudo, como ele me afirmou, já se sentia morto depois do fim do seu (nosso) Portugal. Obrigado Abel por tudo o que fizeste e por tudo o que representaste.

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