sexta-feira, agosto 31, 2007

Servir o bezerro de ouro!



Li hoje as notícias referentes ao litígio entre a organização das corridas de avião no Grande Porto e as autoridades portuguesas de segurança sobre o pagamento do plano de emergência do referido acontecimento.

Tal facto fez-me meditar nalgumas situações que importam pensar sobre o "mundo civilizacional" que nos tem sido imposto e aceite (e bem aceite) por esta sociedade hedonista e individualista em que nos transformaram.

Refiro-me ao facto de a Cruz Vermelha Portuguesa e a Cáritas se terem recusado a participar na segurança da prova por não terem recebido o pilim que estavam à espera de receber dos "pategos americanos".

Ora vamos a ver. A Cáritas é uma organização católica que (segundo dizem) está ao serviço da comunidade. No seu portal em linha definem-se assim:

A Cáritas é “uma instância oficial da Igreja para a promoção da sua acção social” (Conferência Episcopal Portuguesa, 1997, Instrução Pastoral). ...

Em conjunto, regem-se pela doutrina social da Igreja e orientam a sua acção de acordo com os imperativos da solidariedade, dando resposta às situações mais graves de pobreza, exclusão social e situações de emergência em resultado de catástrofes naturais ou calamidade pública.

A Cáritas tem como objectivos a assistência em situações de emergência...

Bom tudo isto dito, seria de esperar que a Cáritas decidisse manter os treze "voluntários" encarregues de procurar e encaminhar crianças que eventualmente se perdessem dos pais durante a grande afluência de pessoal esperada para o Grande Porto. Bem isto pensei eu (que ainda sou muito optimista). Mas não. Como os americanos não deram os carcanhóis, nada feito. Ou seja treta e mais treta.

Agora a Cruz Vermelha Portuguesa. Não lhes deram os 17.000 euritos (três mil e quatrocentos contos) e não há nada para ninguém. E é uma instituição de utilidade pública... Aliás há diferenças marcantes entre a CVP e a Cruz Vermelha Espanhola, por exemplo.

Relembro apenas um facto. A maioria dos exilados portugueses em Espanha possuía muito parcos haveres. Houve situações de gravíssimas necessidades que se prendiam (inclusive) com a alimentação diária. Da saúde era melhor não falar. No entanto o Hospital da Cruz Vermelha Espanhola atendeu (gratuitamente) todos os portugueses que lá se deslocavam. E chegaram a prestar também assitência medicamentosa gratuita aos portugueses verdadeiramente mais necessitados. A filha menos velha do Rodrigo Emílio nasceu na maternidade da Cruz Roja Española. (um dia eu conto-vos a aventura do registo de nascimento da miúda no Consulado. Mais uma vez RE com o seu mau feitio e no seu melhor)

Cá em Portugal seria impensável que isso acontecesse.

Ou seja e como reflexão principal. Hoje o verdadeiro "voluntariado" desapareceu. É-se voluntário se houver massarocas. Caso contrário vão ao Totta!!!

No entanto nem sempre foi assim.

Há bem pouco tempo ser-se voluntário fazia parte da ética individual e societária. Havia um transpersonalismo latente em toda a sociedade e em que o espírito gregário e de inter - ajuda prevalecia sobre os interesses individuais. A pandemia do individualismo ainda não tinha feito tantas vítimas como hoje. "Eu coço-te as costas e tu coças as minhas" era um ditado popular bem enraizado nos portugueses. Os símios e outros animais "irracionais"(?) ainda o fazem. No entanto a sociedade, ou melhor dizendo, a súcia...dade criada pela gente que para aí manda acabou com isto. O que importa sou eu, a seguir eu e depois ainda eu...

O mesmo se passa por exemplo nas chamadas (impropriamente) corporações de Bombeiros Voluntários(?). Hoje são todas "voluntárias recebendo, é claro...". Nos idos de 60 eu fui bombeiro voluntário. Fazia parte da cidadania ajudar os outros. Nada recebia e até pagava do meu bolso as idas e voltas ao quartel, acessórios da farda, etc. Lembro-me um dia de, ao apagar um fogo num restolho, ter de ir a um café e pagar um quarto de leite para limpar os efeitos do fumo.

Ou seja estas organizações voluntárias e ONG, etc, hoje não passam de meros empregos em que em nome da solidariedade, etc., as pessoas organizam as suas vidinhas.

Mais claro não se pode ser: é a vitória total do personalismo sobre o transpersonalismo. Muita gente tem culpa. A começar pela Igreja. E isto apesar deste Papa ter vindo bem recentemente falar dos deveres do indivíduo face à comunidade em que vive. Mas esta boa doutrina papal ainda não chegou às Cáritas cá do burgo...

1 comentário:

Nuno Adão disse...

Muito bem senhor José carlos, voluntários, só para otários, desculpando-me, claro está, a força da expressão.
Este excelente artigo, deveria ser remetido à CVP, e à Cáritas, gente de bem...salvo seja, que só vê o seu próprio umbigo.

Cumprimentos